segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

PARÊNTESE






       Acho que herdei esse jeito com as palavras, o gosto pela poesia e pelo belo, da minha avó Severina, nascida em  Alagoas, analfabeta e temente a Deus. Ensinou-me a beber água da chuva, porque tudo o que vinha do céu era sagrado;  a rezar o terço e a ir à missa todos os domingos. Fez de sua vida a resignação personificada de que tudo o que lhe foi imposto; aceitou  cada fardo  como obra divina e o carregou  com a mesma força  e disposição que a vida lhe dera desde os primeiros dias.
     Minha avó não sabia ler, mas declamava poemas que aprendera de ouvido e contava estórias como ninguém. Talvez se pudesse tê-las lido não teriam tanta paixão, tamanha riqueza de detalhes.
    Sabia as operações matemáticas sem ninguém ter-lhe ensinado; acho que foi obra da sua divina inteligência. Perfeccionista, tudo precisava estar muito limpo e no lugar. Preguiça era uma  palavra que não existia  em seu vocabulário e, mesmo tão curvada, trabalhou incessantemente até os seus últimos dias.
     O amor era seu traje preferido. Amava indiscriminadamente o seu semelhante e, por isso, foi, e ainda é tão amada. Amava a natureza como ninguém, mesmo sendo esse contato restrito ao pequeno jardim; quando ‘aguava’ suas plantas: era o momento  mágico em que mantinha longas conversas com elas, que sempre lhe retribuíam em beleza  e viço.
    Costurava muito bem, mas só fazia roupas para bonecas; verdadeiros modelos, confeccionados com acabamento e caimento esmerados. Passava horas em sua máquina de costura à mão, não tão obsoleta para sua necessidade. Fazia tudo de retalhos; acho que era uma forma de reconstituir o partido, o quebrado, e juntá-los novamente, dando-lhes uma forma nova, repleta de luz e amor.
    Minha avó foi uma alma rara com quem tive o privilégio de conviver. Fui, muitas vezes, sua professora, pois ela queria muito aprender a ler e a escrever, pelo menos o seu nome. Eu tinha oito ou nove anos e ensaiava com ela os primeiros passos da minha maior aptidão. Mas o que jamais sonhara nesses momentos, é que a grande lição eu aprenderia com ela, com seu exemplo de amor, que mantém aquecido o meu coração desde a sua partida.
     Minha avó Severina, no nome e na vida, ensinou-me a amar o belo, a compreender melhor as diferenças e a conviver com elas; a ser mais tolerante, a amar a natureza, a cultivar Deus no coração e a apreciar a poesia.    
    Por isso, abro um  parêntese neste momento e faço uma pequena homenagem àquela com quem troquei poemas  em tantas cartas, recheadas da poesia de viver e que sempre faziam nossos olhos navegarem em lágrimas de saudade.








Elizabeth F. de Oliveira